O urbanismo tático é um tipo de intervenção no espaço urbano que vem ganhando destaque e levantando discussões em diversos locais nos últimos tempos. Ele parte da ideia de que ações civis de baixo custo e de pequena escala podem ter um impacto significativo no ambiente urbano, melhorando suas dinâmicas e o cotidiano das pessoas. No entanto, de uma intervenção pontual, temporária ou de escala reduzida, a partir de sua aceitação e reconhecimento, muitas dessas iniciativas extrapolaram suas pretensões iniciais e se transformaram em disparadoras de processos urbanos mais amplos, desencadeando novas atuações que envolvem outros atores, esferas e até o próprio poder público.
Práticas como o urbanismo tático surgem, sobretudo, a partir de um certo discurso sobre a decadência e morosidade de um modelo tradicional e hegemônico de planejamento urbano, vinculado essencialmente aos poderes públicos e ao âmbito estatal. Diante de, supostamente, um processo longo e burocrático de atuação por parte do Estado, associado a intervenções urbanas mais complexas e de maior escala, ações como as do urbanismo tático defendem sua maior rapidez de operação, promovendo melhorias pontuais no ambiente urbano que são capazes de trazer benefícios para a cidade e a população.
Também chamado de urbanismo "faça-você-mesmo" (ou "do it yourself" urbanism), o urbanismo tático busca atuar por meio de uma lógica não-hierárquica e participativa, em que a sociedade civil (em colaboração ou não com outros agentes como coletivos ativistas ou organizações não governamentais) apresenta alternativas ao processo tradicional de planejamento e projeto no contexto urbano. Esse tipo de intervenção ainda permite que as pessoas experimentem novas configurações e dinâmicas em seu entorno cotidiano, e que muitas vezes também participem da transformação do ambiente em que vivem e que irão desfrutar.
A criação de novas áreas de lazer e convívio, o fechamento de vias para o tráfego de veículos, a instalação de novo mobiliário urbano ou até mesmo a pintura de ciclovias e faixas de pedestres coloridas pelas ruas das cidades, são alguns exemplos de intervenções típicas do que ficou conhecido por urbanismo tático e podem ser notadas em diversas cidades do mundo, especialmente nos anos recentes. Elas costumam ser implementadas de forma rápida e com baixo custo, muitas vezes utilizando materiais temporários, reaproveitados e móveis, e visam criar mudanças mais imediatas e flexíveis no ambiente urbano, que promovem a participação e melhoram a qualidade de vida de seus cidadãos.
Com a adesão e popularidade de uma série dessas iniciativas, muitas delas passaram a chamar a atenção dos poderes públicos e a se inserirem, gradativamente, em processos de planejamento mais amplos de intervenção nas cidades. Nesses casos, é possível pensar que as ações do urbanismo tático operaram enquanto práticas embrionárias e processuais para o desenvolvimento de uma atuação maior no ambiente urbano.
Em 2005, em São Francisco, nos Estados Unidos, o coletivo Rebar Studio transformou uma vaga de estacionamento em um pequeno parque temporário durante um período de duas horas, lançando o Park(ing) Day. Essa ação foi uma crítica lúdica à priorização do espaço público urbano para os automóveis nas cidades, destacando a necessidade de mais espaços verdes e de convívio para as pessoas. Em 2009, o Rebar e outros estúdios foram contactados pela prefeitura da cidade para que criassem uma versão mais permanente do Park(ing) Day. Assim foram criados um dos primeiros parklets do mundo em São Francisco, iniciativa que depois virou um programa específico do Departamento de Planejamento da cidade.
Na cidade de Portland, também nos Estados Unidos, o grupo City Repair, em conjunto a moradores locais, propuseram a requalificação de uma série de cruzamentos viários de um bairro, transformando-os em espaços comunitários. Inicialmente, o Departamento de Transportes de Portland não permitiu a "reparação dos cruzamentos", mas os envolvidos continuaram a implementá-los. Com o passar do tempo e a avaliação positiva da intervenção, a autarquia mudou seu posicionamento e incorporou a iniciativa em sua atuação, designando um funcionário específico para que coordene as etapas de licenciamento e supervisão dos projetos.
Em 2013, o Instituto Mobilidade Verde, em conjunto a outros grupos, implementou o primeiro parklet na cidade de São Paulo. Chamada de "Zona Verde", a iniciativa buscava converter uma parte do espaço de estacionamento de uma via em áreas de convívio público, que estimulassem a ocupação desses espaços pela comunidade. O que poderia ter sido apenas uma instalação temporária foi, em pouco tempo, regulamentada pelo então prefeito Fernando Haddad, através do Decreto Municipal n. 55.045/14, e a prefeitura lançou o “Manual operacional para implantar um parklet em São Paulo”, estabelecendo diretrizes para os projetos e suas viabilizações.
Mas apesar do estímulo à maior apropriação do espaço público urbano e possíveis melhorias no cotidiano de muitas cidades, as intervenções do urbanismo tático também devem ser analisadas por outros ângulos e aspectos. Ao assumir uma diminuição do papel dos poderes públicos e aliviar algumas falhas de governança, estando muitas vezes associado a entidades da iniciativa privada, essas ações podem acabar contribuindo para o avanço neoliberal na disputa pelo lugar do Estado nos ambientes urbanos. Ademais, a própria administração municipal pode vislumbrar nessas iniciativas uma estratégia para reduzir gastos e transferir responsabilidades que são públicas à sociedade civil e ao mercado.
Assim, é importante pontuar que o urbanismo tático não substitui o planejamento urbano tradicional em sua operação pública mais complexa e abrangente no território, e que a sua atuação se restringe a questões e locais urbanos específicos e pontuais. Cabe a ele lançar ideias e testar possíveis caminhos que venham beneficiar o cotidiano de muitas cidades, entendendo que não irão solucionar e nem eliminar os seus problemas.
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